Wednesday, October 07, 2009

Estive

Eu estive
Deitado num lago de gelo seco
Com cobertura de brigadeiro
Esperando a luz divina descer do céu
E me dizer que tenho mais 83 anos de vida
Estragando assim meu dia glorioso
Me odiando pelo azar de estar ali
Na hora errada
Mas eu estive
Aí ontem pra dizer que te amo, te amo, te amo.
E não importa quantos anos vou viver
Pra ver tuas rugas
E teu rosto envelhecer
Mas tu tinha saído
Com outro cara
E eu torci pra que ele te levasse para algum lugar chato
Com gosto amargo
Sem cobertura
E com cheiro de chulé
Estive torcendo pra que você pedisse pra ir embora
E ligasse pra dizer que me ama, me ama, me ama.
E eu iria dizer que você havia ligado pro número errado
E iria dormir
Sem nunca mais estar ai pra ti.

Cenas Cortadas

Às vezes parece que minha vida é composta por cenas cortadas de filmes que vivi.
Como se não fosse importante,
Ou necessário.
Como se eu não fizesse parte da minha própria vida.
Da minha lembrança.
Como se tudo que eu vivi
Fosse apenas mais alguma coisa que passou.
Às vezes imagino a minha vida como um filme
Em que sou um ator coadjuvante
Que erra as falas
E sua a mão quando lhe perguntam algo.
Ou um filme simples
Sem ação
Sem suspense
Nem drama, nem comédia.
Um simples filme,
Com as coisas que não previ
Não sou o cara sentado no banco
Analisando a vida que passa
Mas sou sim, a tal vida que passa
Vivendo a vida sentada.
Vivendo,
O tudo do nada que restar pra viver
Imaginando filmes
Livros
E Sonhos.
Sobre tudo que eu não sei se realmente sou.

Oralfabeto

Eu não escrevo pra quem lê
Escrevo pra quem simplesmente coleciona letrinhas
E mergulha numa sopa delicada e singela
Não escrevo para intelectuais,
Pois são chatos demais pra entender o que eu escrevo

Escrevo por que não consigo dizer
Passo pro papel o que sinto – ou finjo sentir
Só pra causar
Pra me acomodar

Já comecei livros
Sem contar nenhuma história
O papel prende as palavras
Como se fossem folhas primitivas em rochas
E as palavras ficam condenadas a serem lidas
E não sentidas!

Wednesday, September 30, 2009

Textinho egoísta.

Que ela saiba sorrir
Que ela seja espontânea
Que ela tenha bom gosto musical
Que ela me apresente bandas legais
Que ela saiba fazer lasanha
Que ela saiba fazer torta de bolacha
Que ela lembre um pouco a minha mãe
Que ela seja carinhosa
Que ela seja segura
Que ela confie em mim
Que ela queira ir pra qualquer lugar em minha loucura
Que ela saiba fazer aquele bife que a Luci faz
Que ela segure a minha mão
Que ela entenda meu olhar
Que ela tenha seios para ter bastante leite pros nossos filhos
Que ela queira ter filhos
Que ela queira se casar
Que ela tenha TPM por apenas alguns dias
Que ela não tenha vergonha de cantar
Que ela cante pra mim
Que ela se esqueça do mundo lá fora quando estivermos juntos
Que ela possa estar junto comigo quando quisermos
Que ela abrace forte
Que ela goste de poemas
Que ela goste de Beatles
Que ela goste de ouvir minhas músicas
Que ela não seja muito velha, nem muito nova
Que ela me ame, muito.
Que ela sempre tenha crédito no celular
Que ela saiba assoviar
Que ela não me obrigue a tomar chimarrão
Que ela não me obrigue a comer salada
Que ela tenha opinião
Que ela seja decidida
Que ela fale o que sente
Que ela não "se faça muito", mas não seja totalmente atirada
Que ela dê o primeiro beijo
Que ela tenha iniciativa, no caso.
Que ela escreva algumas coisas pra mim
Que ela grave cds pra mim
Que ela seja atenciosa
Que ela esteja disposta a me mudar
Que ela converse comigo no msn
Que ela goste de viajar
Que ela me convide para fazer alguma coisa
Que ela tenha cheiro bom
Que ela goste de sorrir
Que ela exista

Tuesday, September 22, 2009

Tantas Palavras

Ela tentou crer que daria certo
Ele tentou crer que não
E talvez os dois estivessem errados
Mas ela iria ficar nos elásticos dos seus tênis
No sorriso contra a parede
Numa cadeira
Pra sempre naquele canto
No livro ao lado da cama
Onde ele tentaria conhecer melhor
Embora não tivesse certeza se era isso o que queria
Mas ela estaria
Em algumas canções
Em alguns refrões
Em um chocolate
Ela estaria no seu aquário
Dançando num céu esta noite
Enrolado em um cobertor de nuvens
Na cortina de sua casa
Uma vida que faltou conhecer
Mas sentimentos guardados
Entre tantas palavras que faltaram
Um adeus que faltou dizer,
E que ela preferiria talvez responder
Com seu habitual "sei lá'
E seu mosquitinho interno nunca saberia o porquê
De ter sido deixado de lado
Por entregar-se de peito aberto
Em algo tão incerto
Mas ela tentou crer que daria certo.
Pelo menos isso.

Wednesday, September 09, 2009

Parafuso

Fazia algum tempo que eu sentia uma dor desconfortável no meu joelho direito.
Às vezes mais, às vezes menos. Não havia um padrão de dor qualificado.
Mas doía.
Eu sempre fui um cara com medo de ir ao médico,
Na verdade, acredito que ninguém gosta.
Resolvi sofrer em segredo com a minha dor.
Cogitei até contar para minha irmã
Mas lembrei que sobre qualquer coisa que eu falava com ela,
Vinha a resposta:
"Não faça drama."
Sobre tudo.
Se haviam roubado meu pastel no trabalho,
Se haviam tentado me matar na rua,
Qualquer coisa, ela respondia com a mesma resposta.
Me acostumei,
E desisti.
Mas uma vez,
Meu joelho doeu durante uma semana inteira.
Eu já não conseguia esconder,
Todos me mandavam ir ao médico,
Mas eu insistia em não ir.
Até que um dia, foi mais forte que eu,
Resolvi ir.

-"É esse parafuso aqui, ele se deslocou." Disse o médico.
-"Parafuso? Como assim?". Respondi.
-"O parafuso no seu joelho.".
-"Eu não tenho parafuso no joelho.".
-"Ora, como não? Está bem aqui, veja o raio-x.".
-"Não pode ser, não me lembro."
-"Bom, mas você tem. E temos que dar um jeito nisso.".

Voltei pra casa muito confuso,
Tentei perguntar pra minha irmã sobre o tal parafuso
E ela me respondeu:
"Não faça drama".
Mas não desisti.
Investiguei todo meu passado,
Alguns parentes desconhecidos,
E depois de muito tempo acabei descobrindo:
Quando eu era pequeno passei por uma pequena cirurgia,
Onde haviam colocado o tal parafuso em meu joelho.
Mas não sei por que cargas d'água,
Haviam me escondido isso.
O que havia de errado?
De repente me vi pensativo:
Quanta coisa será que existe dentro de nós,
E temos medo de encontrar?
Quanto guardamos aqui dentro,
Sem deixar o mundo perceber?

Sunday, September 06, 2009

All Face

Um dia,
O presidente de uma grande potência mundial, estava em baixa com seu povo,
E num gesto simplório, resolveu mostrar-se humilde:
Foi até uma lanchonete comer um xis.
Nada de mais.
Um simples xis salada, e um refri.
Porém ele não sabia o que pode se passar dentro de um xis.
Dentro dele, havia uma folha de alface mal-lavada.
Na folha de alface mal-lavada, um verme.
No verme, uma ideologia fantástica sobre domínio total da população.
Não que o verme estivesse mal intencionado.
Com um grande esforço, o tal verme entra no cérebro do presidente,
Que só nota ao acordar, algo estranho em sua vida.
O verme estava no poder.
Tinha o controle.
Depois de pequenas mudanças básicas em sua casa,
A estranheza com que sua mulher agora passara a lhe notar
O presidente resolveu enfim causar,
Deu uma ordem insolente:
Plantar árvores.
Isso mesmo,
Todo o País deveria começar a plantar árvores.
Seus aliados, e a população não entenderam bem, mas mesmo assim,
Obrigados a realização do desejo de seu ilustre presidente, plantaram.
E pouco a pouco as ordens do verme começaram a atacar a população ainda mais,
Acabando com empresas geradoras de poluição
E ainda mais insano:
Tirando carros de circulação.
Não contente com o caos gerado em seu país,
O presidente inescrupuloso define uma nova meta:
Acabar com a poluição mundial,
E fazer o mundo se tonrar verde.
Suas amigas lesmas aderiram ao movimento, e foram tomando o posto de outros seres importantes do mundo:
Madonna, Bono Vox, Fausto Silva, só para citar alguns.
Mas a população mundial, por sua grande maioria
Ficou com muita raiva do presidente, que se achava dono do mundo.
Era ridículo de sua parte fazer algo assim,
Imagina, uma vida saudável obrigatória para todos?
Não era justo!
Onde estava a democracia?
Protestaram, resolveram que dariam fim a isso.
Então, tiveram a grande idéia de acabar com o presidente.
O fim óbvio: violência, armas, um tiro, uma cabeça, sangue.
Mas não,
Não foi assim, caros leitores,
O verme foi muito mais esperto:
Abandonou o cargo.
Abandonou o corpo.
Deixou-o voltar sem entender nada
Criando uma grande confusão com seu pedido de desculpas
Sem entender o que havia acontecido,
O presidente voltou ao normal suas atividades,
E o verme seguiu sozinho,
Sem violência,
Não reagiu
Poderia demorar algum tempo
Mas ele havia plantado em alguns
Suas sementes
Ninguém havia se dado conta,
Que o mal do mundo está contido nas coisas verdes.
E por isso, desde então
Nunca mais comi salada.

Saturday, September 05, 2009

A Dona Alves

Em um de meus tantos empregos que tive na vida, ocorreu uma fato inusitado:
O dono da empresa gostou de mim.
Além do mais, decidiu que eu deveria aprender todas as tarefas, relacionadas ao seu produto.
Ou seja, eu sairia de lá com muito conhecimento.
Isso me entusiasmou, lógico.
Comecei a aprender tudo. Tudo que podiam me ensinar.
As pessoas ficavam um pouco receosas ao me ensinar certas tarefas,
Pois poderia tomar-lhes o lugar.
Mas eu não me preocupava com isso.
Na verdade, nem queria isso.
Sou humilde o suficiente pra conseguir algo por mim.
Certo dia, com muita dedicação e esforço, consegui tirar o lugar de uma pessoa:
A Dona Alves.
Sim, a velha senhora já não tinha tanta força e tanto entusiasmo quanto eu,
E além do mais, eu conseguia alcançar mais alto.
E nos lugares mais baixos também.
Eu me sentia super bem, na verdade.
Estava no auge da minha forma física.
Humilhava aquela velha senhora com dignidade,
Realizando a tarefa dela, algumas 30 vezes melhor que ela.
E algumas 30 vezes mais rápido.
E quando falaram que eu assumiria seu lugar, me senti realizado.
Outro certo dia, eu estava limpando os vidros e cantando,
Quando alguém me cutucou ao ombro,
Embora eu odeie o fato de me cutucarem, olhei pra trás:
-"Olá seu Jéferson, tudo bem?"
-"Tudo. Estou trabalhando."
-"Sim, percebi, mas é que tem uma coisa."
-"Diga."
Pausa:
Não que eu seja antipático, mas quando estou trabalhando gosto de me dedicar e de ficar em silêncio.
E de não ser atrapalhado.
Muito menos cutucado.
Não há nada que me irrite mais do que ser cutucado.
-"Bom, você está no lugar da Dona Alves, né?"
-"Não estou no lugar de ninguém."
-"Sim, mas digo, trabalhando no lugar dela né?"
-"Tá, ela foi demitida, estou no lugar dela sim."
-"Ah. Entendo."
-"Sim, mas o que você quer?"
-"Ah, claro, tem uma coisa."
-"O que?"
-"Você quer comprar uma rifa?"
-"Não, obrigado."
-"Mas por que?"
-"Por que não. Não compro rifas."
-"Mas a Dona Alves sempre comprava..."
-"Sim, mas ela foi demitida."
-"Sim, mas você está no lugar dela."
-"Sim, e o que tem?"
-"Você deve comprar uma rifa."
-"...".
-"...".
-"Tá, quem tá doente?"
-"Ah, isso não importa. São 5 reais."
-"Como não importa? Não achei meu dinheiro no lixo!"
-"Olha, me dê o dinheiro e pronto. Se você quer ficar no lugar da Dona Alves, cumpra a função dela com dignidade!"
Pausa:
Aí ela mexeu comigo.
Dignidade sempre foi uma palavra forte pra mim.
-"Tá bom, tá bom. Estão aqui, 5 reais, ok? Agora deixe-me voltar ao trabalho."
-"Ah, muito obrigada!"

Algumas horas depois, outro cutucão:
-"Moço?"
-"Sim?"
-"Olha, tenho uma rifa pra vender, é pra ajudar meu netinho."
-"Ah, e o que ele tem?"
-"Ele tá querendo comprar um video-game"
-"Tá, mas e por que eu tenho que ajudar?"
-"Bom, você está no lugar da Dona Alves. Ela sempre comprava."
Pausa:
Isso começou a me irritar.
Aquelas pessoas estavam me abusando.


Enfim, dei o dinheiro para aquela senhora também.
Porém, no mesmo dia, "comprei" rifa de outras 5 pessoas.
Na verdade, elas anotavam meu nome para descontar no pagamento.

No dia seguinte, pelo menos 17 cutucões,
Pessoas que queriam colocar piscinas nas casas,
Reformar a cozinha,
Colocar silicone (tá, isso é uma boa causa),
Ir pra balada,
Trocar a perna mecânica,
Enterrar o cachorro,
Ir ao dentista,
Viagem pra Disney,
Troca de sexo,
Só para citar alguns.

Resultado daquele mês: não recebi pagamento.
Meu dinheiro todo ficou para as tais rifas.

E eu me irritei.
Imagina aquela velha senhora,
Ela trabalhava tanto, mas tanto, só para sustentar os outros.
E eu não havia me dado conta.
Não havia percebido o perigo de uma rifa em mãos erradas.

Foi então que pela primeira vez na minha vida, pedi demissão do meu primeiro emprego.
Não pelo fato de pensar na pobre senhora que tomei o lugar;
Nem pelo fato de doar meu dinheiro aos outros
E também não pelo fato das pessoas sem coração que tomavam o dinheiro daquela senhora antes de mim,
Mas o fato, de fato, foi que com a medida do tempo,
Por mais que eu tentasse me conter
Por mais que eu tentasse me esforçar
Eu odeio ser cutucado.

Friday, September 04, 2009

Metas para 2003

Estava jogando fora uns cadernos velhos da escola e encontrei uma folha com isto:

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Metas para 2003 (25/03/2003)

1- Ser feliz (OK)
2- Tocar bastante (OK)
3- Arranjar um baterista para tocar com nós (OK)
4- Comprar o CD do Foo Fighters (OK)
5- Comprar o CD do Weezer (OK)
6- Prezervar minhas amizades
7- Aprender a tocar mais músicas e tocar melhor (OK)
8- Ir ao Beto Carreiro (OK)
9- Ser amigo de todos
10- Comprar uma bicicleta (OK)
11- Comprar uma caixa amplificada melhor
12- Poder ajudar meus amigos
13- Praticar muitos esportes
14- Respeitar as pessoas (OK)
15- Adquirir bastante conhecimento (OK)
16- Comprar um violão e aprender a tocar (OK)
17- Talvez aprender a tocar teclado e comprar um (OK)
18- Compor muitas músicas (OK)
19- Deixar meu cabelo crescer (OK)
20- Fazer novas amizades (OK)
21- Ter paz.

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Não sei se dou risada ou fico com vergonha, mas enfim, esse era eu com quase 14 anos.
Quase consegui tudo, quase.

Sunday, August 30, 2009

Amendoim

Uma das coisas que mais gosto de fazer é jogar cartas.

Jogo cartas desde pequeno,

Minha mãe tinha um mercado, e nas horas vagas me ensinou a jogar cartas para que pudéssemos passar o tempo.

Ela era canhota, eu destro. Como aprendi a jogar cartas com ela, jogo como um canhoto.

Mas faço todas as outras coisas como um destro comum.

Conheço vários tipos de jogos de cartas, mas meus preferidos são canastra, pife, sessenta e seis, pôker, dorminhoco e burro.

Depois que minha mãe se foi, tive que seguir adiante.

Passei por uma fase meio complicada da minha vida, onde eu passava quase 10 horas do meu dia em botecos, jogando cartas com velhos, bêbados e senhores que respondiam “boa noite” aos telejornais, tirando o dinheiro deles para que eu pudesse sobreviver.

Mas isso passou, nem gosto de lembrar.

O vício, porém, não passou.

Entretanto, eu havia feito uma promessa para mim: nunca mais usar os jogos de cartas para sobreviver.

Arrumei um emprego, cresci, era um homem já. Tudo estava fluindo normalmente, como deveria ser.

Com o passar do tempo, para minha própria distração, adquiri um hábito de jogar cartas comigo mesmo,

Assim, não haveria aposta que eu não pudesse pagar, exceto por um dia em que fiquei devendo 300 reais pra mim mesmo,

Mas isso não vem ao caso. Todos os dias eu jogava canastra comigo.

Certo dia, eu faltei no meu emprego, pois tinha uma partida inacabada para acabar e resolvi usar aquela linda tarde de Sol,

para me trancar em casa e dar um fim ao meu adversário.

Outro hábito que eu havia adquirido ao longo do tempo, era de sempre comer amendoim torrado durante as partidas.

O porquê eu não sei.

Naquele dia então, durante a partida, eu estava perdendo, e estava ficando nervoso. Comia amendoins velozmente, quando de repente ouvi um barulho no teto, algo como alguém caindo de cima do telhado.

Achei estranho, abri a janela e fui ver.

Escutei alguns agoniados gemidos, no meio dos arbustos alguém tentava se erguer.

Era algo estranho, com uma capa de chuva preta (mas como não chovia achei realmente estranho), e uma foice na mão. Pensei que pudera ser o cara que corta grama que minha vó contrata todo mês, e ele poderia estar limpando o telhado. Fiquei com pena e convidei-o para entrar e tomar uma xícara de café.

-“Eu vim te buscar”. Disse ele.

-“Como assim?”. Disse eu.

-“Ora, estou aqui pra te levar comigo.”.

-“Não estou entendendo. Eu não gosto de cortar gramas.”.

-“Cortar gramas? Do que você está falando?”.

-“Não é isso que você está fazendo?”.

-“Claro que não! Você não está me reconhecendo? Olha bem, essa capa, essa foice... Muitos já estariam chorando de medo. Admiro sua coragem.”.

-“Bom, acho que lembro de ti de uma história de um livro do Woody Allen, certo?”.

-“Não sei do que você está falando.”.

-“Ah, então desculpa. Não sei quem você é.”.

-“Eu sou A Morte, idiota! Vim te buscar.”.

-“Você é a morte idiota? Ah. Desculpa mas, não posso ir.”.

-“Não! Eu disse que... Como assim não pode ir?”.

-“Não posso. Ainda não.”.

-“E por que não?”.

-“Por que eu não terminei a minha partida.”.

-“Ah, é verdade. Falta muito?”.

-“Na verdade falta. Mas, me diz aí, como vou morrer? Estou bem de saúde, em casa jogando cartas... Está tudo certo.”.

-“O amendoim.”

-“O que tem?”.

-“Você estava comendo bem depressa, iria se engasgar e morrer.”.

-“Ah, entendo.”.

-“Mas bem, chega de conversa. Volte para sua partida e continue comendo o amendoim.”.

-“Quer sentar?”.

-“Ah, pode ser. Já estou há muito tempo nesse trabalho, e com essa queda acho que vou poder pedir aposentadoria mais cedo. O que você está jogando mesmo?”.

-“Canastra. Você joga?”.

-“Jogo.”.

-“Quer jogar?”.

-“Eu estou trabalhando, não posso.”.

-“Ah, vamos lá. Que tal uma apostinha?”.

-“O que seria?”.

-“Coisa simples. Se eu ganhar, você vai embora e volta só daqui alguns anos.”.

-“Nada feito! O que eu vou dizer se não levar você comigo?”.

-“Eu sabia que tu era maricas.”.

-“Não fale assim comigo! Eu não sou!”.

-“Tá com medo. Eu entendo.”.

-“Não estou com medo! Vamos jogar!”.

-“Certo então.”.

-“Ah, mas e se eu ganhar?”.

-“Eu vou contigo. Meio óbvio.”.

-“Sem graça.”.

-“Vai correr?”.

-“Não corro de nada.”.

-“Trinca de Ás e Três, até Três mil. Sem frescuras.”.

-“Sim, eu sei jogar canastra.”.

E realmente sabia, caro leitor.

A morte me surpreendeu, fazia jogadas absurdas, sempre tinha coringas e no começo eu levei um grande sufoco.

Mas é claro que eu haveria de ganhar, sempre fui muito jogador. Sabia todas as jogadas manjadas. Conhecia o baralho, e principalmente: me conhecia. Sabia que não iria perder.

No desenrolar do jogo, mostrei-me um verdadeiro jogador de cartas, surpreendi-a, controlando e levando a mesa sempre que necessário. Mas até eu entrar no buraco, a sorte esteve ao meu lado.

O jogo começou a ficar difícil, os coringas haviam me abandonado. Tentei me virar do jeito que dava, e mesmo assim fiz uma excelente queda, quando achei que tivesse ganhado o jogo, me surpreendi ao ver, faltaram apenas 10 pontos. A morte estava 600 atrás. Era óbvio que eu ganharia.

Mas, por incrível que pareça, não foi. Na última queda, A Morte me venceu, de forma completamente absurda e inexplicável. Tudo bem, eu havia perdido, era hora de dizer adeus.

-“Bom, parabéns.”. Falei.

-“Ah, obrigado, grande jogo.”. Disse A Morte.

-“Tá certo então, vamos lá.”.

-“Certo. Mas peraí, me diz uma coisa...”.

-“Diga.”.

-“Durante o jogo, eu notei uma coisa.”.

-“O que?”.

-“Você, bem, você é canhoto.”.

-“Sou”.

-“Tem algo de errado nisso.”.

-“Como assim?”.

-“Bom, aqui na sua ficha diz que você é destro.”.

-“Estranho, você viu que sou canhoto.”.

-“Sim, vi.”.

-“Mas e aí, como fica?”.

-“Não posso te levar.”.

-“Como assim, não pode?”.

-“Não está certo.”.

-“Ah, tudo bem então.”.

-“Olha, desculpa o inconveniente, não foi por mal sabe...”.

-“Sim, tudo bem. Pode ficar tranqüila.”.

-“É que são esses malditos estagiários, sempre aprontam comigo.”.

-“É complicado mesmo.”.

-“Agradeço então a partida, e até qualquer dia.”.

-“Nada contra você, mas espero que demore pra nos vermos outra vez.”.

-“Sempre dizem isso! Vocês são todos insensíveis! Cretinos!”.

Então A Morte se foi, choramingando e resmungando.

Eu me sentia mal, pois havia quebrado a promessa de nunca mais usar jogos de cartas para sobreviver, mas enfim, foi por uma boa causa.

E depois disso eu nunca mais comi amendoim.

Saturday, August 08, 2009

Que seja Agosto

Que morram quantos tiverem de morrer
Que cheguem tarde aos que esperam por nós
E que se valha ao preço de ter estado aqui
Ao menos que alguns anos
E ter vivido e ouvido a voz guia
Que a cada minuto que passa
Diz-me estar mais velho
A cada sonho que vivo
Já não tenho o mesmo coração
Que seja agosto então
E leve minha alma pra passear
Pois já não tenho o controle
Da vida que passa diante de mim

Thursday, February 26, 2009

#4

Outro dia ela se foi
Lenta, quieta.
Fez crer que caíra
A noite sobre meus pés
Serenou a vidraça
Baixou a guarda
Deixou as asas caírem
Subiu em pé
Voltou ao Sol
Queimou, supriu
A falta que aquilo me faria
Sem medo
Mostrou, serviu.
A pedra do sapato
Selvagem, inquieta.
Algo ali batia frenéticamente
E não me deixava parar
Pra ver,
Deitar
No dia em que ela parou
De sonhar,
Algo triste aconteceu.
Não tinha Lua.
Nem estrela.
Nem disco voador na janela.
E só o pensamento concreto
Feito o chumbo das suas asas.

Faz

Sei que meu coração é bom
Mas não me queira mal
Por onde for
Leva um pedaço meu
Em cada riso teu.

Faz de conta que você
Nunca esqueceu
Tudo o que viveu
Mostra ao mundo o que fez
Pra se manter
De pé